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Há silêncios que falam mais do que as palavras. E há matérias que, mesmo caladas, sussurram histórias no toque. A casca que se parte, o grão que exala, a linha que se entrelaça — tudo isso é linguagem. Antes mesmo de serem moldadas em formas, as matérias têm um vocabulário próprio, feito de texturas, temperaturas e memórias táteis. E é nesse terreno da sensibilidade, entre o visível e o sentível, que a Monterraro constrói sua poesia.
Poesia não no sentido estrito da palavra escrita, mas como experiência expandida. A matéria aqui não é suporte; é protagonista. Ela se revela, se oferece, às vezes resiste. Um pedaço de casca de ovo pode carregar a memória da fragilidade, enquanto o pó de café evoca o calor das manhãs. A matéria tem cheiro, cor, densidade — e tudo isso comunica antes mesmo de a razão formular qualquer pensamento.
Criar com as mãos é escutar com o corpo. Na Monterraro, cada peça nasce de um gesto de atenção radical: atenção à natureza da matéria, aos seus humores, às suas histórias. Não se trata de domar, mas de dialogar. O ovo não vira escultura à força; ele se deixa habitar pela ideia quando encontra um criador que o escute. E talvez seja essa escuta silenciosa o que há de mais poético nesse processo.
A escultura, quando finalizada, ainda carrega a presença do tempo. O tempo da espera, da secagem, da repetição dos gestos. É um tempo que não se apressa. Um tempo contrário ao ritmo das máquinas. Há algo de ritualístico em moldar a matéria com esse cuidado — um tipo de meditação ativa, onde o pensamento é conduzido pela ponta dos dedos.
Mas há também o outro tempo: o tempo de quem toca. Ao passar os dedos por uma superfície feita de erva-mate, algo acontece. A memória desperta. O corpo reconhece. E, de repente, o objeto deixa de ser apenas forma. Ele se transforma em gesto compartilhado, em ponte afetiva entre quem cria e quem sente.
É por isso que dizemos que a matéria é poesia tátil. Porque ela não apenas existe — ela evoca. E evocar é um ato profundamente poético. É fazer emergir, do fundo da matéria, aquilo que já estava lá: a história não contada, a sensação adormecida, o vínculo invisível entre o objeto e o mundo.
A escolha de materiais na Monterraro nunca é técnica apenas — é sempre simbólica. A casca de ovo não está ali por ser frágil ou por estética; ela está ali porque nos lembra que aquilo que se quebra também pode guardar beleza. O café não aparece apenas como textura, mas como memória ancestral, como cheiro de afeto. E a erva-mate, com sua carga cultural e sensorial tão presente no Sul do Brasil, carrega um território inteiro dentro de si. Quando essas matérias se encontram com a forma, nasce o que chamamos de poesia tátil: uma arte que fala através do corpo, que provoca, que sugere sem dizer.
Esse tipo de criação desafia o olhar apressado. Não se trata de entender a peça, mas de senti-la. A experiência é tão importante quanto o objeto final. O toque é uma forma de leitura. O cheiro, uma forma de escuta. E o tempo que se passa diante da obra — seja ele breve ou longo — se transforma num intervalo sensível onde algo íntimo se move.
Talvez por isso cada peça da Monterraro pareça conter um segredo. Há nelas algo de confidencial, como se a matéria tivesse sido convencida a revelar um fragmento de sua alma. E, como toda confidência, só se deixa perceber por quem se aproxima com cuidado.
Essa experiência tátil e silenciosa encontra forma na coleção Palafita, em que cada escultura parece sustentar não apenas o próprio peso, mas também uma memória sutil de suspensão e delicadeza. São peças que se equilibram entre o visível e o invisível, o leve e o denso.
No fim, a poesia tátil é uma proposta de reconexão. Com o mundo material, com o tempo lento, com o sensível. Ela nos convida a desacelerar, a tocar com presença, a perceber o invisível que pulsa sob a superfície das coisas. É um convite para lembrar que o que nos move nem sempre pode ser dito, mas quase sempre pode ser sentido.